Porque Lost é inesquecível
Quando em 22 de setembro de 2004, o voo 815 da Oceanic se partiu ao meio e caiu em uma ilha, o que se viu depois disso foi uma história linda, emocionante do início ao fim, cheia de momentos inesquecíveis, frases e reflexões que até hoje arrepiam quem assiste. E também, claro, mistérios e muita indignação de algumas pessoas.
Estou falando da série Lost, que foi transmitida pela rede de TV americana ABC de 2004 a 2010 e hoje está disponível na Netflix. Se você tem o costume de assistir séries ou pelo menos já assistiu alguma, com certeza já ouviu falar de Lost.
Mas o que fez essa série ser tão inesquecível e incrível, sendo lembrada até hoje?
Lost é Lost
Você pode até tentar comparar com outra série que está surgindo ou que já foi produzida, mas é algo sem comparação. Uma série de TV, assim como um filme, pode atingir vários objetivos. O principal deles é o entretenimento, mas sempre tem o lado reflexivo e o emocional que tornam algumas obras tão inesquecíveis. Posso definir Lost como a série que tem tudo. O lado emocional, as reflexões, os mistérios que dão vontade de assistir ao próximo episódio, as explicações sobre os fatos que podem só ser esclarecidas na sua mente algum tempo depois, os nomes dos personagens com ligações com a filosofia, como John Locke e Danielle Rousseau. E isso torna a série única, por mais que alguns mistérios não tenham sido respondidos ou que o famoso final não tenha atendido as expectativas de todos.
Lost é uma série sobre a vida. E a vida é muito complexa. Esse já poderia ser o resumo, mas o quanto eu gosto dessa série me faz querer escrever e falar ainda mais sobre ela para manter tudo sempre vivo em nossa mente.
Assisti a primeira vez em 2015. Sim, não vi tudo durante o tempo em que passava na tv, acompanhando na internet e discutindo o próximo episódio. Acredito que teria sido melhor mesmo, claro. Mas mesmo assistindo tanto tempo depois, consegui gostar muito e me sentir muito conectado com toda a história e o que é retratado. Terminei recentemente de assistir pela segunda vez e confesso que valeu muito a pena. Consegui entender melhor, me emocionei novamente como se não tivesse assistido antes e confirmei minha tese de que é a melhor série que já assisti por vários motivos.
Mas o que Lost tem de tão especial?
Cada pessoa que assistiu tem a sua própria teoria, o que já mostra como a série é incrível. Costumo pensar em várias teorias. O avião partido ao meio pode ser nossa vida se partindo em determinados momentos, no sentido que estamos sendo desafiados. Cada pessoa, cada sobrevivente do acidente do voo 815 tem uma personalidade e todas elas podem ser uma só pessoa com uma só personalidade. Ou pode ser também a vida como ela é, com pessoas, pensamentos e estilos de vida completamente diferentes.
A fé e a ciência são assuntos tratados o tempo todo, com o inesquecível embate entre Jack Shephard e John Locke. No final você pode pensar que venceu a fé, mas assistindo a série como um todo pode ser apenas sua conclusão. O contrário também se aplica.
Sobreviver em um lugar novo, desconhecido e que se mostra cheio de mistérios é outro ponto abordado logo no início da série e presente também depois, mas com menos destaque.
Independente da sua personalidade, você acaba se identificando com algum ou alguns dos personagens, pois eles têm estilos e pontos de vista variados. Ou seja, de algum dos protagonistas certamente você vai se identificar em algo.
Penso na fé como algo que vai além da religião. Locke conseguiu voltar a andar depois de chegar na ilha, o que pode ser definido como um milagre e ir para o lado religioso. Mas a partir disso, ele teve um propósito, o que movia a fé dele. Vejo dessa forma. Como a ilha era especial e diferente, o objetivo dele acabou se tornando primeiramente ficar lá e não ir embora, já que tinha deixado de ser paraplégico no momento que chegou a ela.
Já Jack, o homem da ciência e que não acreditava em nada que Locke lhe dizia, consegue sair da ilha e percebe que sua vida “normal” não tem nenhum sentido. Isso fica muito visível quando ele marca um encontro com a Kate e diz a famosa frase “We Have to go Back” (Nós temos que voltar) e termina a temporada com uma grande mudança, pois agora além de mostrar o passado, o futuro dos personagens também será visto. E claro que o final dessa temporada gerou muita ansiedade para quem assistiu.
Isso trata com maestria de um assunto que segue em alta, cada vez mais eu diria, e presente em nossa vida: o propósito. O personagem de Jack mostra muito bem essa questão. Precisamos ter propósito, trabalhar com algo que tenha propósito, nossa vida precisa de propósito. Essa palavra é tão falada que chega a cansar e também nos deixar apreensivos e pensando se estamos ou não seguindo nosso propósito.
A partir do momento que se encontra perdido, Jack pensa em voltar para a ilha porque sente que deve fazer algo com quem não conseguiu sair, ajudar de alguma forma e assim encontra um propósito para a sua vida. E isso move o personagem em busca dos outros que saíram da ilha, pois todos precisam voltar para ela. E depois de estar de volta à ilha e ver que as coisas estavam tranquilas sem a presença deles (no caso da 5ª temporada onde quem ficou estava de volta ao passado), mesmo assim Jack continua firme e forte em busca de encontrar uma forma de ajudar a ilha, os seus amigos que haviam ficado lá e assim também se sentir bem consigo mesmo. Uma narrativa perfeita que mostra como é importante ter um propósito, ao mesmo tempo em que também consegue mostrar o quanto pode ser sofrido perseguir e pensar o tempo todo que é preciso fazer algo relevante. Ele era criticado muitas vezes por sempre querer ser o herói das situações, justamente porque estava em busca desse propósito que tinha colocado em sua cabeça.
A questão da fé foi retratada também em vários momentos, mas um que destaco é toda a situação em torno da escotilha, de digitar os números a cada 108 minutos e todo o entorno disso que tomou conta da segunda temporada. Claro que não ter digitado os números não foi uma boa ideia depois, como a gente viu, mas em vários momentos Locke se pegava pensando porque precisava apertar aqueles botões e qual era o sentido disso tudo. O que conversa muito com a questão da fé, já que digitar os números para Desmond e outros personagens era uma questão de manter tudo bem, tudo em ordem. Muitos faziam sem saber se realmente dava algum resultado digitar 4, 8, 15, 16, 23 e 42 a cada 108 minutos. Apenas acreditavam!
Os mistérios e o que não foi resolvido
Podemos, mais uma vez, ter várias interpretações. Os mistérios basicamente eram uma forma de manter a audiência, de deixar quem estava assistindo com vontade de ver o próximo episódio. Mas claro que todos eles, no final, faziam e fizeram sentido. A ilha era um lugar especial, com capacidade de curar as pessoas, ao mesmo tempo em que tinha uma concentração de energia muito grande. Isso explica basicamente tudo que envolve a Iniciativa Dharma e outros pontos que foram tratados, como a escotilha, por exemplo.
Sobre o que foi ou não respondido, também pode ter interpretações. Acredito que o mais importante foi respondido e que, mesmo com respostas, cada pessoa vai receber de forma diferente. E isso também é incrível.
E claro que o final e sobre eles estarem vivos e tudo aquilo ter acontecido, fica claro e explicado na conversa final do Jack com o seu pai na igreja, antes de encontrarem todos os seus amigos. Tudo que eles viveram foi real, o avião realmente caiu e tudo aquilo aconteceu. Uma pena que nem todos entenderam assim (ou não querem entender).
Algumas palavras sobre o final da série
Claro que agradar 100% das pessoas é impossível, mas eu particularmente gostei muito do desfecho da série. “Mas muita coisa não foi explicada”, você pode estar pensando. E eu te devolvo com uma pergunta: e na vida, tudo tem uma explicação única e exata?
Uma frase muito clichê, mas que faz todo o sentido agora é que o importante não é o destino, mas sim a jornada. E Lost teve uma jornada inesquecível em todos os sentidos. Nesse texto só consegui falar de forma mais resumida sobre os motivos que tornam essa série tão especial. Mas a jornada foi maravilhosa, cada episódio, as reflexões, as emoções e tudo que ela trouxe e continua trazendo para a gente.
Mas Lost é uma série sobre a vida, sobre pessoas. Cada uma com seus problemas, suas dificuldades, seu propósito (ou a falta dele). Inclusive a falta de propósito foi o que os levou para a ilha, especialmente os personagens principais que conversaram com Jacob nos últimos episódios: Jack, Kate, Sawyer e Hurley. Segundo Jacob, nenhum deles estava com a vida indo bem e por isso eles estavam lá. Mais uma conversa daquelas que tem relação direta com a questão do propósito.
Então a série é sobre tudo que acontece com a gente, sobre dificuldades, superação, alegrias, tristezas, frustrações. A vida no geral. Que final a série poderia ter diferente do que foi apresentado? O pai de Jack disse a ele que o melhor momento da vida de todos eles foi vivido na ilha. Depois alguns foram embora, outros ficaram (como Jack e Hurley) e a vida seguiu para todos, assim como deveria ser. No futuro, anos e anos depois do acontecido, eles se encontram naquela cena da igreja para dar ao público algum desfecho para todos os seis anos de história.
E não tinha como ser melhor, pois assim como a vida é, o final nos mostrou que o que importa são as amizades, as pessoas que encontramos pelo caminho e os vínculos que criamos. E que reencontrar e dar um abraço nessas pessoas é muito especial.
Um texto para Lost não é o suficiente para dizer tudo que eu gostaria. Tanto é que tenho a ideia de fazer um podcast para falar sobre tudo que Lost representou e também falar, sim, de todos os mistérios, as questões da ilha e conversar mais sobre essa incrível obra de ficção, que conversa com a realidade o tempo todo. Mas por enquanto é só uma ideia, mas acredito ser uma excelente forma de manter viva essa série, mesmo depois de nove anos do seu final na televisão.
Termino por aqui esse texto, com a certeza de que não é o fim e apenas uma parte de tudo que Lost representa em minha vida!