O caso do Velho 45: sobre ajudar quem não quer aceitar ajuda

Dieverson Colombo
7 min readNov 8, 2019

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(Crédito: Divulgação/Pixabay)

Talvez você não esteja acompanhando, mas a youtuber de finanças Nathalia Arcuri está com um reality na televisão, em que ajuda pessoas que procuram o programa a saírem das dívidas. O programa é muito bom por sinal e mostra diferentes pessoas, em diferentes situações, com dificuldades financeiras. Nathalia entra com sua equipe do programa, chamada de liga, para auxiliar quem está endividado.

Na segunda, dia quatro de novembro, foi ao ar o programa com Felipe, dono do bar Velho 45, em São Paulo. Ele tinha dívidas que passavam dos R$ 100 mil e só cresciam a cada semana. Após a tentativa da equipe em ajudar o bar a ter mais movimento e para contribuir para o pagamento das dívidas, Nathalia sugeriu que ele vendesse o estabelecimento para quitar os valores em atraso.

E ele, como uma pessoa compreensiva com a situação, concordou. Mas depois de uma conversa com os “amigos”, os mesmos que não estavam nunca no bar para ajudar a aumentar o faturamento, nem mesmo no dia do evento de moda organizado pela equipe, o qual ele não parecia muito disposto a ajudar, ele mudou de ideia.

Esse episódio gera várias reflexões. É interessante mostrar situações que não deram certo, em que Nathalia e equipe não conseguiram ajudar, pois assim é mais realista e até o programa passa mais credibilidade. Caso contrário seria sempre uma pessoa cheia de problemas e o programa operando milagres. Então é bacana pra mostrar que nem sempre é possível resolver a situação.

Mas o que venho falar aqui é especialmente sobre a decisão de Felipe de não vender o bar, o que gerou muita frustração da equipe do programa (especialmente da Nathalia, claro) e muitas críticas nas redes sociais. Mas, afinal, ele tomou a decisão certa?

Não podemos ajudar quem não quer ajuda

Essa frase é clássica e demorei muito para aceitar, mas faz cada vez mais sentido. Se uma pessoa não quer ajuda, nem tente ajudar que vai ser só perda de tempo.

Começo lembrando que o programa em questão, o Me Poupe, tem como foco auxiliar quem pede ajuda para melhorar sua vida financeira. Ou seja, foi o Felipe que pediu ajuda para sair das dívidas. E a equipe o ajudou desde o começo.

Recomendo que você assista, mas resumidamente o chef da equipe sugeriu dois novos hambúrgueres com o nome da Nath neles (o que seria um ótimo chamativo), alguns itens do seu bar podiam ser vendidos, conforme sugestão da personal organizer, e foi feito um desfile dentro do estabelecimento. Felipe pouco ajudou a organizar e trazer público. Ele ouvia as sugestões, achava boas ideias, mas não agia em função disso. Talvez ele estivesse esperando mesmo que fizessem as coisas para ele, quando isso nunca foi prometido. A equipe prestava auxílio e quem tinha que colocar a mão na massa era sempre Felipe. Lembrando que suas dívidas ultrapassam os R$ 100 mil, aumentam com o passar do tempo, com os juros em cima das dívidas, e o faturamento do bar é baixíssimo.

Sem nenhuma divulgação (o penúltimo post no Instagram foi em setembro e o último na segunda que o programa foi ao ar), o Velho 45 pratica o velho marketing da esperança. Abrir as portas, sentar e rezar para que pessoas entrem e consumam dentro do bar.

O que foi dito no programa, e que lembro aqui, é que o objetivo era ajudar o Felipe pessoa física e não o bar. Se o objetivo fosse recuperar o bar, outro programa interessante é o Pesadelo na Cozinha, com Erick Jacquin. Mas certamente o sofrimento nas mãos do Jacquin não seria interessante para Felipe, que preferiu algo mais tranquilo. Diante de tudo que foi mostrado, de todas as tentativas e a decisão de todos, não só de Nathalia, fechar o bar para ajudar a quitar as dívidas do Felipe pessoa física foi uma solução sugerida.

Importante falar de dois pontos. O primeiro, e muito criticado na internet, é que Nathalia disse que o Felipe tinha que “fechar essa merda”. A reclamação de quem viu é que ela foi muito agressiva e é errado e totalmente desnecessário falar isso do sonho de outra pessoa. Certamente Felipe assiste ou pelo menos já assistiu os vídeos da Nathalia e sabe que ela tem um jeito mais bem humorado, e muitas vezes bem ácido, de ajudar as pessoas. Não são poucas as vezes nos vídeos em que ela xinga realmente pessoas que enviam dúvidas para ela. Então, esperamos que ele tenha visto pelo menos algum dos vídeos dela.

O segundo ponto é falar mal do sonho de outra pessoa. Eu sempre falo que tem alguns assuntos que não podem ser criticados, que você não pode ter uma opinião muito específica. E falar do sonho de outra pessoa parece ser um deles. Mas voltando ao programa, ela não foi ofensiva com o sonho. Apenas foi realista de que aquele bar, nesse momento, não estava sendo positivo em sua vida. Volto a lembrar que ele tinha concordado em fechar o estabelecimento. Seus amigos que o fizeram mudar de ideia. Amigos que não estavam no bar quando ele precisava de apoio, mas isso não deve importar para ele.

A decisão consciente

Digamos que ter o bar fosse o real sonho de Felipe. Qual seria a decisão mais consciente de se tomar? Fechar o bar, que tirava dinheiro dele todo mês, vender o que tinha, pegar esse valor e pagar parte da dívida. Conseguir outro trabalho e quitar 100% da dívida. Dar um ou dois passos para trás basicamente.

Dívida quitada? Felipe poderia cuidar de suas finanças, algo que não parece fazer hoje, guardar dinheiro e depois abrir o bar novamente, sem dívidas e com mais tranquilidade. Nesse tempo em que estivesse sem o bar, poderia aproveitar para estudar, entender melhor sobre bares, como atrair público e especialmente o marketing. Não basta abrir as portas e rezar para que alguém entre.

Como foi possível ver no programa, ele não tomou essa decisão e preferiu seguir com as dívidas. Foi sugerida uma meta de faturamento do bar durante o mês de acompanhamento e o participante teve todo o auxílio, de mais de uma pessoa, para isso. Mas não chegou nem perto dos números, o que mostrou que fechar o bar naquele momento seria uma decisão coerente.

Depois, nos stories do Instagram, Felipe disse que foi ao programa para ter visibilidade e gostou das dicas que recebeu. Disse também que não foi mostrado tudo no bar e tudo que ele está fazendo. Acabou levando a situação para outro lado. Lembrando que o foco do programa é ajudar as pessoas a se livrarem das dívidas. E não para reerguer empresas. Para isso existem outros programas, como o Pesadelo na Cozinha, por exemplo.

O foco era o Felipe. E vender um bar para ajudar a quitar essas dívidas continua sendo uma boa ideia.

Felipe não queria ajuda

Então Felipe pediu ajuda para Nathalia Arcuri e sua equipe, sabendo como é seu trabalho. Sabia que ela puxaria sua orelha desde o início, que não iria facilitar e mesmo assim aceitou. Recebeu dicas de novos pratos para o bar, de organização e como ter renda extra vendendo os itens que tinha e não estava usando. Mas não colocou nada em prática. Parecia apenas estar esperando algo externo acontecer, sem tomar muita iniciativa.

Nathalia sugere que ele venda o bar, ele aceita, mas seus “amigos” o fazem mudar de ideia. A conclusão é que Felipe não queria ser ajudado. E ajudar quem nem está querendo nenhum tipo de ajuda é a certeza de frustração e sofrimento. Falo isso por experiência própria em meu projeto.

Ele procurou a ajuda do programa, mas não colocou em prática o que foi sugerido, não arregaçou as mangas para melhorar a situação e não parece nada preocupado com o tamanho de sua dívida. Ele pediu socorro para sair das dívidas, mas no final do programa mostrou que o apego ao bar é mais importante do que pagar tudo que está devendo. E diante disso só é possível constatar que sim, ele não queria no fundo ser ajudado.

Ele queria ajuda, mas achou que fariam tudo para ele e que seria só aguardar e ter resultados. Quem não quer isso? Falhou ao não entender o programa, não conhecer de verdade a Nathalia Arcuri e o seu trabalho e, mesmo assim, pedir ajuda e, no final, não aceitar as opiniões coerentes de todos que lhe disseram que fechar o bar era importante naquele momento. Isso não significava que ele não pudesse ter o bar depois de um tempo, mas sim que naquele momento era a melhor decisão fechá-lo.

Mais uma vez: no fundo, ele não queria ajuda. Nos comentários sobre o programa, há um misto de torcida pelo bar, de pessoas dizendo que vão visitar quando estiverem em São Paulo e outras comentando que jamais vão ir até lá, que ele deveria ter ouvido as dicas.

A minha única torcida, e que vai ser difícil de saber a partir de agora, é que as dívidas sejam pagas.

Se quiser saber mais sobre o meu trabalho, tenho um projeto chamado Mudança de Planos. Te convido a conhecer.
Aqui o link: http://www.mudancadeplanos.com.br/

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Escritor e jornalista. Autor do livro Reféns do Propósito. Escrevo sobre o mundo e o que sinto que preciso escrever.

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